Hoje, ao abrir os olhos, me fiz a seguinte pergunta: — o que
fazer com o amor preso aqui dentro? Pensei, mas não tive resposta. A mente é
séria demais e não foi capaz de satisfazer-me.
Mas o coração, disse: — Você pode dividir com a vovó, que fica sentada na velha
cadeira de balanço, à espera de um abraço no fim do dia. Pode dar ao cachorro, que, sem entender os motivos que sua
dona tem para sair de casa, fica deitado no tapete da sala, fitando o vidro da
porta, esperando o retorno daquela que o faz rodopiar de alegria. Pode repartir entre as crianças da vizinha que, num dia de
calor, sentam na porta da sua casa para brincar de carrinho e acariciar as
raízes daquela velha árvore que te viu crescer. Pode deixar de dormir nas tardes de quarta-feira, para cortar
os legumes e preparar a deliciosa sopa, que serve de alimento aos seus irmãos
necessitados. Pode oferecer as tulipas, orquídeas, cactos, begônias,
girassóis, bonsais e trevos de quatro folhas que alegram o seu jardim,
deslizando a ponta dos dedos molhados sobre a terra macia, sentindo o silêncio
das sementes. Pode oferecer ao que está impaciente. Mesmo que não tenha nada a dizer, pode ouvir ou ainda oferecer seu ombro amigo ou dar as mãos para
caminhar. É possível ainda, dar amor a um livro, sabendo ouvir as
sílabas poéticas que ele é capaz de sussurrar. Para isso, basta passar as frágeis
páginas devagar, não deixando que o barulho delas seja maior que o sussurro do
livro.
— E se o amor acabar? Disse eu.
Sem delongas, o coração respondeu que se faltar amor, é só observar
as borboletas e as bolhas de sabão, que, segundo uma velha senhora, são os que
mais entendem de felicidade nesse mundo; na certa saberão me dizer onde há mais
amor. E tem também o dente de leão, com seu abraço-apertado-estático-infinito, disse
o coração azul, risonho...