domingo, 31 de julho de 2011

Surdina


Quem toca piano sobre a chuva,
na tarde turva e despovoada?
De que antiga, límpida música
recebo a lembrança apagada?


Minha vida, numa poltrona
jaz diante da janela aberta.
Vejo árvores, nuvens, - é a longa
rota do tempo, descoberta.


Entre os meus olhos descansados
e os meus descansados ouvidos,
alguém colhe com dedos calmos
ramos de som, descoloridos.

A chuva interfere na música.
Tocam tão longe! O turvo dia
mistura piano, árvore, nuvens,
séculos de melancolia...

(Cecília Meireles)