quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Ele e o silêncio


Na pequenez do menino cabia tantos segredos que quem o via assim, só de casca, sequer imaginava. Brincavam vez ou outra ele e o silêncio, divertindo-se os dois danados à farta por longo tempo de hora, fitando as pessoas distraídas que passavam pela rua, supondo qual seria a alcunha que nomeava a face delas. Meio a bagunça, surgiam de quando em quando pequenos paradoxos que faziam os dois, sem mexer um mísero músculo, soltarem gargalhadas. Meninas que de rabugentas levavam nomes de velhas chatas, homens com cara de mulher, mulheres perfumadas que se chamavam flores, velhos de alma fresca que de tão fresca assinavam nomes que nem nascidos eram. Em uma tarde chuvosa, porém, deu-se um fato que ele não esperava: surgiu assim na sua frente uma face que tinha a cara do seu nome. Assustou-se, quis de súbito ficar sozinho, soltou um gemido, mandando o silêncio embora. Vendo-se refletido na poça que a tempestade formara, pela primeira vez aquele menino tomou consciência de que, ele mesmo, também “era”.